sexta-feira, 3 de abril de 2015

XIV- Culpa

Eu tenho uma vasta coleção mental de livros que tenho que ler, bem como filmes. Um desses livros é "O Assassinato de Cristo" do Reich. Pelo pouco que sei, ele coloca, com base na psicanálise, que a sociedade ocidental carrega a culpa pelo assassinato de Cristo, como se fosse algo coletivo que está em nossa civilização.

Aprendi, nos tempos do grupo da perseverança que essa era a época de se confessar. De todos os sacramentos católicos, a penitência deve ser a mais paradoxal. Você vai lá, conta seus pecados pra um homem que faz o papel de representante de deus na Terra, ele escuta e em função disso ele dá sua penitência, as aves-maria e os pai-nossos e por aí vai. O paradoxo reside no fato de que, se por um lado é absurdo ter um cara e você ter que dizer a ele sobre algo tão íntimo, por outro tem alguém ali te ouvindo.

Meu primo, evangélico pentecostal, dizia que se incomodava com essa imagem de Cristo pregado na cruz, como os católicos colocam. Ele gosta de ver um Jesus que ressuscita no terceiro dia e é vitorioso, pisa em cima do diabo e é maravilhoso.

Além dessa diferença eu sempre pensei no modo como o protestantismo lida com isso de uma forma geral. Penso: ali pelo menos você não tem que ficar contando seus pecados para alguém, não tem intermediário, tudo é resolvido direto com a divindade.

Toda vez que faço um mergulho emocional lá está a culpa, esse vício que aprendi no catolicismo. Ela é uma forma interessante não só de dominação política que a Igreja Católica usou, mas também responde na consciência e nos corpos. Subir escadas de joelhos, usar cilícios - como aquela personagem de "O código da Vinci- e, a mais eficiente de todas: fazer a pessoa expiar seus pecados.

O mais interessante é que essa premissa inicial de Reich faz sentido. A questão da culpa é tão arraigada, que vejo até alguns amigos ateus compartilhando por vezes desse mesmo sentimento. E de certa forma tanto católicos quanto protestantes sabem usar isso bem. Se católicos se confessam com padre, há protestantes que vira e mexe, vão se consultar com o pastor para ter um aconselhamento. E se eu for mais longe, não é diferente dos chefes espirituais de outras formas religiosas. E há quem desabafe com prostitutas ou com psicanalistas.

No caso desses últimos as coisas estão demodê, porque há pílulas que anestesiam da culpa sem a necessidade de colocar as coisas pra fora, pagar alguém para ouvir a si mesmo. Porém, fico pensando que tudo que é colocado para debaixo do tapete, cedo ou mais tarde aparece e creio que não há pílula que dê jeito nisso. Assim como não há padres, nem pastores, nem pais de santo, ou psicanalistas que também resolva.

Talvez por isso o principal veículo de todos eles, ao lidar com esse grande fundamento que é a culpa, é o exercício da escuta. Mais que ouvir, quando abrimos a boca para colocar palavras que irão explicar e dar sentido ao que se sente, é a nós mesmos que estamos ouvindo. Pelo menos comigo é assim. E como diz uma música que gosto muito "não há lugar para se esconder quando você está gritando por dentro".


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