quarta-feira, 25 de março de 2015

V- Necessidade

Certa vez um rapaz caminhava comigo. Ele olhava umas casas ainda com tijolos aparentes e, naquele domingo, lá dentro daquela casa a televisão enorme, moderna, passava a programação daquela tarde. Ao observar ele me disse: o que adianta? Essas pessoas querem comprar coisas de último tipo e moram em uma casa nesse estado.

Uma visão mais a direita diria isso: as pessoas pobres querem as benesses do Estado para poder comprar televisão de último modelo. Outra, mais a esquerda, condenaria o capitalismo ao afirmar que ele cria necessidades voltadas para o consumo, nutrindo o sistema, e sem atender as necessidades básicas do cidadão, mantendo assim a desigualdade.

Necessidade é algo da força e é aquilo que nos une. O eufemismo "vai fazer suas necessidades" serve para mostrar o quanto o ato de defecar, entre tantos outros processos fisiológicos, nos une. Porém, para por aí. Existem diferenças sobre onde e como defecar. Até a qualidade do papel, uma vez que existem diferenças entre eles. Isso é da ordem da vontade, do p(h)oder.

Talvez o que aqueles que têm (ou julgam ter) pensam sobre os que não têm é justamente negar a sua vontade. Neste esquema, se você tem dinheiro é lícito ter desejos, ter vontade. É legal ouvir aquela música estrangeira que fala de sexo, porque contraria o sistema. Se o funk diz a mesma coisa, se ele exprime a vontade dos que não têm, é rotulado como baixaria. Pura e simplesmente assim.

Se a pulsão, que é psicológica, é um desvio do instinto, fisiológico, cabe dizer que existem discursos que tentam controlá-lo. Discursos que autorizam quem pode e quem não pode ter vontade. Discursos que dizem onde e como cada um realiza suas necessidades e vontades. Não seria então, pensando nisso, a vontade algo a ser capitalizado?

E ao fazer essa pergunta me lembro de outra feita àquele rapaz: você está fazendo o que? Ah, só trabalhei uma vez em um hotel em uma semana apenas. Tempos depois soube que ele vivia de ficar encostado nos outros, sem fazer nada. Nossa crítica à vontade dos outros pode também esconder as nossas próprias vontades. E cada um usa suas formas, porque não há como fugir dela. Nem da necessidade que nos irmana.


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